sábado, 16 de outubro de 2010

Noite


O banco de frente para a padaria, já fechada naquele horário, foi o único que encontrou livre na pracinha. O movimento aos domingos é sempre muito grande, na praça, na igreja, coisas de cidadezinha do interior. E a maior parte do pessoal que havia saído da missa perambulava pelo local. Mas tudo bem, não seria um problema para sua sessão de leitura ao ar livre, até porque o barulho nunca o incomodou em suas leituras. Além do mais, seus ouvidos de senhor aposentado não funcionavam mais tão bem como antigamente...

A leitura tem um grande poder de tirar a pessoa do ambiente supostamente real em que se encontra, e um poema de Leminski o levou para sua vida na cidade, há algumas décadas atrás. Capital onde viveu intensamente: três casamentos fracassados, quatro gatos e alguns empregos. O primeiro casamento foi uma aventura, não estava preparado para casar. Da segunda mulher realmente havia gostado, mas esta o deixou sem explicação. Com a terceira, ele só queria mesmo afastar um vazio, e não havia tido muito critério... Já os gatos, esses sim foram sempre muito leais. Grandes companhias de quando viveu solteiro, à noite, o melhor horário para quem gosta de ver a vida de um jeito diferente, com a humanidade muitas vezes perdida durante o dia-a-dia. A madrugada é a hora em que a maioria das pessoas não está sendo professor, ou advogado, ou atleta. É a ocasião de viver em sua essência, mesmo que seja a essência inconsciente que emerge nos sonhos.

Abaixa o livro e fica observando um pouco os jovens perambulando pela praça, já pensando ir caminhando até sua casa. A tranquilidade, que encontrou nesse interior, é tudo o que deseja nessa fase de sua vida. Ainda vive à noite, mas não fazendo as mesmas coisas. Deixou para trás a metrópole, mas jamais deixará a noite. Tornou-se amigo da lua cheia, senhor do fogo das estrelas. Tornou-se um ser humano pleno.