Ali, bem diante
dos seus olhos, estava a mesma mulher de sempre. Refletidos por aquele espelho
novinho, comprado no dia anterior, estavam os mesmos cabelos castanhos e ondulados,
muito bem cuidados. Estavam também os olhos escuros, o nariz pontudo, o sinalzinho
charmoso próximo à orelha direita. Alguns detalhes o tempo havia modificado,
mas era ela mesma. Ainda assim, permanecia defronte ao espelho com os olhos
fixos. De vez em quando franzia as sobrancelhas, como se procurasse ver algo a
mais. Mas não procurava por nada, apenas olhava. Em alguns momentos nem
prestava atenção. Só olhava.
Com o susto que
levou ao ouvir sua filha chegar, fechando a porta como se odiasse portas, não
iria prestar mais atenção em imagem alguma mesmo. Foi verificar se algo havia
acontecido, mas a jovem passou rapidamente pelo corredor, isolando-se em seu
quarto. Pensou em bater à porta, mas acabou preferindo deixá-la sozinha. Deveria
ser mais uma briguinha com o namorado. Era uma garota ciumenta, possessiva... Assim
sendo, resolveu esquentar o almoço. Já havia comido, era só para a menina
mesmo, que chegou um pouco mais tarde do que o costumeiro.
Deixando a comida
em cima da mesa, já devidamente aquecida, resolveu voltar ao quarto para descansar.
Com a filha permanecendo reclusa, ela se viu novamente diante daquele espelho. Observava
o rosto refletido com um pouco mais de atenção, até fazendo comparações com sua fisionomia
de outros tempos. Estava visível que seu rosto ficou mais magro, as suas
bochechas se revelavam menores. A pele também era um pouco diferente, não tão
lisa quanto antes. Alguns detalhes mantinham-se exatamente como sempre foram,
mas de fato muita coisa mudou. Não mudou para pior nem para melhor, apenas
mudou.
A jovem finalmente
saiu do quarto, e caminhou em direção à cozinha com passos rápidos e firmes.
Não eram seus passos habituais. Percebendo isso, abandonou o espelho novamente
e foi observar a garota. A comida não estava fria ainda, não passou tanto tempo
assim. Ela foi chegando e parou no vão da porta da cozinha, enquanto a filha se
acomodava à mesa. A menina sentou, olhou rapidamente para a mãe, abaixou a
cabeça, e começou a comer. Duas garfadas depois, encarou-a novamente e
balbuciou um “o que foi”. Com um sorriso, meio de sarcasmo, meio de carinho, a
mãe foi até a geladeira, retirou uma jarra com suco e a colocou sobre a mesa. E
saiu da cozinha.