sábado, 12 de maio de 2012

Espelho


Ali, bem diante dos seus olhos, estava a mesma mulher de sempre. Refletidos por aquele espelho novinho, comprado no dia anterior, estavam os mesmos cabelos castanhos e ondulados, muito bem cuidados. Estavam também os olhos escuros, o nariz pontudo, o sinalzinho charmoso próximo à orelha direita. Alguns detalhes o tempo havia modificado, mas era ela mesma. Ainda assim, permanecia defronte ao espelho com os olhos fixos. De vez em quando franzia as sobrancelhas, como se procurasse ver algo a mais. Mas não procurava por nada, apenas olhava. Em alguns momentos nem prestava atenção. Só olhava.

Com o susto que levou ao ouvir sua filha chegar, fechando a porta como se odiasse portas, não iria prestar mais atenção em imagem alguma mesmo. Foi verificar se algo havia acontecido, mas a jovem passou rapidamente pelo corredor, isolando-se em seu quarto. Pensou em bater à porta, mas acabou preferindo deixá-la sozinha. Deveria ser mais uma briguinha com o namorado. Era uma garota ciumenta, possessiva... Assim sendo, resolveu esquentar o almoço. Já havia comido, era só para a menina mesmo, que chegou um pouco mais tarde do que o costumeiro.

Deixando a comida em cima da mesa, já devidamente aquecida, resolveu voltar ao quarto para descansar. Com a filha permanecendo reclusa, ela se viu novamente diante daquele espelho. Observava o rosto refletido com um pouco mais de atenção, até fazendo comparações com sua fisionomia de outros tempos. Estava visível que seu rosto ficou mais magro, as suas bochechas se revelavam menores. A pele também era um pouco diferente, não tão lisa quanto antes. Alguns detalhes mantinham-se exatamente como sempre foram, mas de fato muita coisa mudou. Não mudou para pior nem para melhor, apenas mudou.

A jovem finalmente saiu do quarto, e caminhou em direção à cozinha com passos rápidos e firmes. Não eram seus passos habituais. Percebendo isso, abandonou o espelho novamente e foi observar a garota. A comida não estava fria ainda, não passou tanto tempo assim. Ela foi chegando e parou no vão da porta da cozinha, enquanto a filha se acomodava à mesa. A menina sentou, olhou rapidamente para a mãe, abaixou a cabeça, e começou a comer. Duas garfadas depois, encarou-a novamente e balbuciou um “o que foi”. Com um sorriso, meio de sarcasmo, meio de carinho, a mãe foi até a geladeira, retirou uma jarra com suco e a colocou sobre a mesa. E saiu da cozinha.