sexta-feira, 19 de abril de 2013

Espera


Quando ela olhou para o pulso, tomou um grande susto! Passou das vinte horas! Desse jeito o cunhado ia acabar chegando antes da irmã... Já estava apreensiva e acabou ficando ainda mais, pois teria que mentir. Não sabia o que dizer e era péssima mentirosa, não possuía criatividade para isso. Acabou por desligar a televisão, e pensou em fazer uma sopa para quando os dois já estivessem em casa. Cozinhar poderia ajudá-la a se acalmar, só que não conseguiu fazer nada. Apenas esperou. Pensava nas encrencas que sua irmã já havia se envolvido desde pequena. Não tinha como imaginar que fazer essa visita iria se tornar em algo tão tenso... Começou a planejar arrumas suas malas e voltar para sua casa já na manhã seguinte. Não queria se ver no meio de uma confusão, iria embora imediatamente se pudesse.

***
Na adolescência, a irmã se encantou com o homem que se tornou seu atual marido. Desde a primeira vez que o viu em cima de um palco com uma guitarra, em um estabelecimento simples qualquer. Tocava em uma bandinha. Sonhou com ele, com a guitarra, com fama, dinheiro, capas de revista... Anos depois, a menina acordou casada com ele. Ainda possuindo uma guitarra, que fica esquecida no quartinho dos fundos. Hoje ele não costuma tocar nem suas músicas preferidas por diversão. É funcionário público, enquanto a esposa estuda arduamente para ser aprovada em um concurso também. Vivem bem, mas sem capa de revista. Viverão bem, talvez, até o dia em que ela se tornar independente.


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Entrou na cozinha, novamente disposta a fazer uma sopa. Cortou alguns legumes, pegou um pacote de macarrão e parou pensativa diante da pia da cozinha... Vencida pela ansiedade, deixou tudo lá e caminhou até sala da entrada, deitando no sofá maior. Rezando para a irmã chegar primeiro. Nove minutos depois, ouviu barulho de chave abrindo a porta. Sentou no sofá e encarou a porta, que se abriu em seguida. Era a caçula, que logo que a notou perguntou pelo marido, com expressão tensa. A mais velha apenas disse “não chegou”, encarando-a. “Ótimo, vou correndo tomar um belo banho”, foi a reposta que ouviu. Ela nunca conseguiu fazer a irmã explicar direito como conheceu o homem com quem estava saindo. Descobriu apenas se tratar de um advogado, que ela conheceu “conhecendo”. Também sabe que se encontram e se despedem em uma praça não muito distante da casa dela. De lá a caçula termina o percurso andando.

Ela foi terminar a sopa enquanto a irmã se lavava. Em poucos minutos chegou o cunhado, logo entrando na cozinha e elogiando o cheiro da comida. Ele chegou com uma garrafa de vinho e com mais alguma outra coisa, que ela não observou o que era. “Demorei porque fui comprar isso pra ela e pra mim, hoje é um dia importante”, disse mostrando a garrafa. Antes mesmo de ela perguntar, ele revelou ser aniversário do dia em que se conheceram. Não costumavam comemorar esse tipo de data, mas ele resolveu fazer diferente. “Ela nem deve ter lembrado...”, disse o cunhado. “Ela deve ter lembrado sim, deve ser por isso que está tomando esse banho tão demorado.” Mentiu bem.

sábado, 12 de maio de 2012

Espelho


Ali, bem diante dos seus olhos, estava a mesma mulher de sempre. Refletidos por aquele espelho novinho, comprado no dia anterior, estavam os mesmos cabelos castanhos e ondulados, muito bem cuidados. Estavam também os olhos escuros, o nariz pontudo, o sinalzinho charmoso próximo à orelha direita. Alguns detalhes o tempo havia modificado, mas era ela mesma. Ainda assim, permanecia defronte ao espelho com os olhos fixos. De vez em quando franzia as sobrancelhas, como se procurasse ver algo a mais. Mas não procurava por nada, apenas olhava. Em alguns momentos nem prestava atenção. Só olhava.

Com o susto que levou ao ouvir sua filha chegar, fechando a porta como se odiasse portas, não iria prestar mais atenção em imagem alguma mesmo. Foi verificar se algo havia acontecido, mas a jovem passou rapidamente pelo corredor, isolando-se em seu quarto. Pensou em bater à porta, mas acabou preferindo deixá-la sozinha. Deveria ser mais uma briguinha com o namorado. Era uma garota ciumenta, possessiva... Assim sendo, resolveu esquentar o almoço. Já havia comido, era só para a menina mesmo, que chegou um pouco mais tarde do que o costumeiro.

Deixando a comida em cima da mesa, já devidamente aquecida, resolveu voltar ao quarto para descansar. Com a filha permanecendo reclusa, ela se viu novamente diante daquele espelho. Observava o rosto refletido com um pouco mais de atenção, até fazendo comparações com sua fisionomia de outros tempos. Estava visível que seu rosto ficou mais magro, as suas bochechas se revelavam menores. A pele também era um pouco diferente, não tão lisa quanto antes. Alguns detalhes mantinham-se exatamente como sempre foram, mas de fato muita coisa mudou. Não mudou para pior nem para melhor, apenas mudou.

A jovem finalmente saiu do quarto, e caminhou em direção à cozinha com passos rápidos e firmes. Não eram seus passos habituais. Percebendo isso, abandonou o espelho novamente e foi observar a garota. A comida não estava fria ainda, não passou tanto tempo assim. Ela foi chegando e parou no vão da porta da cozinha, enquanto a filha se acomodava à mesa. A menina sentou, olhou rapidamente para a mãe, abaixou a cabeça, e começou a comer. Duas garfadas depois, encarou-a novamente e balbuciou um “o que foi”. Com um sorriso, meio de sarcasmo, meio de carinho, a mãe foi até a geladeira, retirou uma jarra com suco e a colocou sobre a mesa. E saiu da cozinha.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Fúria


Ele vai se arrastando com destino ao seu quarto , desejando uma boa soneca. Dormir quase todas as noites por quatro ou cinco horas detona qualquer um... Iludido, acreditando que vai descansar após o almoço, se joga na cama do jeito que está. Mas terá que estar de pé em muito pouco tempo. Uma tal de prova no dia seguinte... Sempre tem uma limitando as intenções de sono. Mas não há condições de estudar sem cochilar, não tem jeito. E ainda bem que o soninho está chegando...

Já quase sonhando, pancadas fortíssimas na porta e gritos estridentes o obrigam a esbugalhar os olhos... Eita susto! Do outro lado da porta ele ouve “Vá pegar o dinheiro que tem que pagar o aluguel, desde a semana passada”. Era sua mãe. E enquanto ela bradava coisas ofensivas do outro lado da porta, ele se sentava lentamente na cama. Mas o que era isso afinal? Ela provavelmente limpou o quarto mais cedo e, bisbilhotando os papéis como era seu costume, viu o número do banco anotado em um folheto religioso. O pai havia mandado o dinheiro na tarde do dia anterior. Já bastante irritado com mais esse ocorrido, ele saiu do quarto e tratou de responder:
- Eu não vou pegar dinheiro nenhum agora, tenho uma prova amanhã e preciso descansar pra estudar.
O que seguiu a isto foram mais berros da outra parte, velhas ameaças já conhecidas e sem fundamento.

Sem mais palavras e tomado de raiva, resolve sair do quarto, à procura de algum tipo de saída, uma forma de reagir. Ao passar pelo corredor do quarto, observa rapidamente a expressão da sua mãe... Dissimulada, aparentando despreocupação, com a frieza típica dos perversos, capazes de mentir com um grau absurdo de convencimento. E um leve sorriso, de quem se delicia ao demonstrar superioridade. Só aumentou a fúria dele.

Após andar de forma abobada por diversos cantos da casa, voltou ao quarto fechando a porta com bastante força. E ligou o aparelho de som no volume máximo! Tinha necessidade de gritar, extravasar todo o sentimento de injustiça que o dominava mais uma vez. E ao correr os olhos pelo local, acabou ficando de frente para um enorme ventilador velho que já não funcionava bem, e nem era mais utilizado. Esse iria sobrar... Com um estampido, o ventilador logo estava no chão. E, acompanhada de gritos e xingamentos, logo uma cadeira caiu por cima, quebrando uma hélice e algumas peças pequenas. Com o barulho, logo sua mãe tentou adentrar no cômodo, preocupada com o barulho que chegava até a os vizinhos. Mais não foi ela que começou uma gritaria? Ele não estava nem um pouco preocupado com a vizinhança, e tratou de evitar que ela entrasse no quarto empurrando a porta enquanto dizia “me deixe em paz”, dando na sequencia alguns golpes na porta do guarda-roupa, que por sorte não quebraram sua mão.

Conforme as músicas iam se sucedendo, a tranquilidade aos poucos tomava conta dele. Às vezes até começava a cantar... Mas no silêncio instantâneo entre uma música e outra, se esforçava para ouvir o que ocorria na casa. E percebia sempre que sua mãe estava trabalhando. Como se nada houvesse acontecido. Como sempre. E com a mesma tranqüilidade e ausência de remorso que apresentou depois de uma vez, quando criou uma confusão tentando impedir uma irmã de realizar uma cirurgia. Será que queria que morresse? Talvez... E se ela tiver algum tipo de transtorno? Vai saber... Uma pessoa normal sabe discernir quando erra e quando acerta. Mas ela tinha sempre a convicção de estar acima de qualquer opinião contrária...

Ao término da última música, ele resolveu deitar na cama. Haveria aquela prova no outro dia... Decidiu não fazer, não conseguiria estudar o que precisava. Melhor ficar ali mesmo, observando o teto e pensando. Ele e a mãe precisavam se separar. Para o bem dos dois.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Aniversário

Um pouco ofegante após subir as escadas que levam ao seu apartamento, ele sentou em frente à televisão e ligou no jogo. A partida já estava em seus vinte minutos do segundo tempo, empatada em zero a zero. Havia andado muito depressa no trajeto entre o mercado e o apartamento, o risco de chuva era iminente. E fazia um ventinho frio...

Estava já tirando um cochilo quando o apito do árbitro o despertou. O zero a zero persistiu até o final... Que chato! Com uma chuva mais forte começando a cair lá fora, ele foi até a mesa e retirou o bolo da embalagem. Uma torta pequena, branca, com a inscrição “Feliz Aniversário” feita em chocolate ao leite. Precisaria de uma vela? Só para cumprir o ritual, foi até o quarto desabitado da casa, onde sabia ter deixado umas velas novinhas. Estavam em cima de uma cama de casal, empoeirada, vazia... Ele preferia dormir na de solteiro, no quarto menor, sabe-se lá por que. Retirou uma única vela do pacote e voltou ao bolo, já de posse também de um isqueiro. Enquanto isso, na televisão, um comentarista polemizava o resultado da partida... Seria um absurdo assim tão grande o líder do campeonato empatar com o último colocado? Enfim, deixou o bolo lá e foi tomar um banho...

A chuva já caía pesada quando deixou o banheiro, e ele saiu correndo para fechar as janelas. Melhor se agasalhar bem... Com pressa por causa do frio, se vestiu rapidamente, desligou o televisor e voltou à sua torta. E de pé, diante da mesa, permaneceu por uns instantes fitando a inscrição de chocolate. “Feliz Aniversário”. “Feliz Aniversário...”. Finalmente ele pegou o isqueiro, acendeu a vela e sentou na cadeira. E parou observando a chama. Estático. Até que notou que os olhos estavam úmidos, e os apertou para evitar que transbordassem... E os abriu, com um olhar um tanto furioso, e soprou a chama. E o sopro saiu tão forte que a vela ficou à semelhança da Torre de Pisa... É amigo, seu tempo já passou... Feliz aniversário!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Pintassilgo


Gostava tanto do seu pequeno amigo... Era um pássaro realmente muito bonito. Um pintassilgo-do-nordeste, com uma coloração amarela e preta que chamava a atenção de quem via. Era normal o menino comentar com os amigos sobre o bichinho, quando comia, o que comia, de que modo cantava e tudo o mais. Na maioria das vezes em que passava por onde ficava a gaiola, dava uma paradinha para admirar o passarinho...

Gostava tanto que ficou muito comovido ao ver na televisão que os pássaros eram mais felizes livres. Então, apesar de tanto afeto e comovido com o que viu no programa, o menino apenas esperou por um momento em que não havia ninguém por perto para agir. Ao meio-dia ele sabia que a mãe não sairia da cozinha, e ninguém o impediria de ser o herói que libertou o pintassilgo. Então foi, tentando não fazer barulho, até os fundos da casa, abriu a gaiola, deu um beijo no pássaro e o soltou no ar... O vôo não foi tão triunfante assim, ele pousou no primeiro galho que encontrou, na árvore mais próxima, no quintal do vizinho, e lá ficou. Deveria ser a novidade, talvez estivesse experimentando a liberdade pela primeira vez. Com o passar de cinco minutos sem o passarinho sair de perto da árvore, o menino resolveu entrar em casa, e ficar um tempo novamente diante da televisão...

E agora lágrimas e lágrimas rolavam de forma ininterrupta. O pintassilgo morreu! A mãe ainda não tinha entendido direito o que havia acontecido, mas tentava consolar o menino. Decerto que o passarinho não deveria ter sido solto, não estava preparado. Em sua gaiola, talvez acreditasse que o mundo girava em torno dele, que todos serviam a ele. Pode ser que não tenha respeitado o espaço dos outros seres ao entrar em contato com um ambiente comum a todos, e tenha pagado caro por isso. Mas também não dava para saber se foi assassinado, pode ter sido só emoção...

Depois dessa tragédia, o menino provavelmente não vai mais querer criar passarinhos, e muito menos soltar bichos com muito tempo de cárcere de qualquer jeito. Até porque no dia em que soltou o pintassilgo, na árvore do vizinho, certamente alguma coisa boa foi aprendida.


quarta-feira, 25 de maio de 2011

Colega

 
A conversa seguia alegre, recheada de toda uma camaradagem construída ao longo dos últimos meses. Ele já havia esquecido, naquele momento, toda a estranheza que havia sentido ao perceber essa reaproximação. Já estavam ali, embaixo daquela grande árvore, há quase uma hora e meia, apenas papeando sobre os assuntos do cotidiano. Como se fossem grandes amigos. Como se houvesse honestidade entre eles. Parecia mesmo...

Ao começarem a seguir andando, cada um em direção ao seu destino, o rapaz voltou a se lembrar do quanto estranho foi para ele esse momento. Assim como foram estranhas as duas semelhantes ocorrências anteriores. Sentando novamente ao pé da árvore onde estava momentos antes, passou a refletir: mas afinal, que problema há em esse caro colega continuar tentando manter essa proximidade? É que o camarada visivelmente não estava sendo sincero. Estava apenas simulando uma amizade, era perceptível. Comentários estranhos, desvios de olhares, sorrisos amarelos. Tudo isso é denunciador, para quem sabe observar. O caro colega já tinha até procurado e encontrado novas amizades no ambiente que frequentavam, o que é, obviamente, uma coisa muito boa. Porém, dava a impressão de que, para se dedicar a esses novos e empolgantes companheiros, ele teria que se desfazer daqueles antigos. E ele fazia isso. Meio constrangido, tentando fazer parecer que não fazia, mas fazia.

Ainda próximo à árvore, o rapaz se convenceu de que realmente o comportamento do colega, que se dizia amigo, não era de um amigo. Mas a grande questão que não conseguia decifrar era “por que”? Semanas atrás, as suas atitudes estavam atingindo o ponto do ridículo. Por vezes, afastou a cadeira quando este sobre quem dizia ser amigo sentou perto dele. Outras vezes chegou depois, e até se acomodou em local próximo, mas afastou um pouco o assento com fingida naturalidade, como se nada estivesse acontecendo. Coisa de babaca mesmo.

O rapaz não estava querendo cobrar uma amizade, que não se cobra. Apenas gostaria de um pouco mais de sinceridade e honestidade, características que realmente poucos buscam cultivar hoje em dia. Afinal, se ele queria se afastar que se afastasse, era um direito dele, mas pelo menos não fizesse isso agindo como um imbecil...

Finalmente ele deixou a árvore e seguiu em frente, para ocupar a mente com o que realmente era importante. Ou pelo menos tentava ocupar a mente, pois os resultados de suas reflexões teimavam em fazer intrusão nos seus pensamentos. Foi embora fazendo em si mesmo uma pergunta, como que dirigida para o seu prezado colega:

“O que pretende, caro colega? Não consigo te entender.”

terça-feira, 5 de abril de 2011

Segredo

O que se deve fazer diante de um segredo, cuja revelação pareça ser a atitude mais correta, ao mesmo tempo em que sua ocultação pode evitar grandes tristezas? Ela ainda não possuía uma idéia mínima do que faria, mas continuou a perseguição ao carro do irmão, indignada como estava, porém com cuidado para não ser reconhecida. Estava pensando em interrogá-lo ao se encontrarem. Os chuviscos e a noite estavam a seu favor e, mesmo assim, ela começou a se deixar ficar para trás. Já tinha percebido que o destino dele era mesmo o local onde moravam, e não era nem muito longe do ponto onde estavam naquele momento. Seu coração começava a acelerar, e um sentimento de culpa pela sua amiga brotou sutilmente. Havia sido a grande incentivadora para que acontecesse uma relação entre os dois e, agora que eles estavam noivos e perto do casamento, descobriu por acaso que seu irmão possui mais uma pessoa em sua vida. Observando de longe, no escuro, não conseguiu ver bem nenhum detalhe que pudesse ajudá-la a identificar a tal pessoa. Não saberia dizer sequer se o indivíduo em questão era mulher...

Ele era dois anos mais novo do que ela, e sempre deu muito mais preocupação para os pais do que a irmã. Já a primogênita, desde pequena, se acostumou a entregá-lo... O incentivo vinha da mãe, acostumada a conferir a ela ordens do tipo “o menino está muito quieto, vá lá ver que deve estar aprontando alguma coisa”. E ela, cruel, sentia um prazer enorme ao olhar para o garoto, com um sorriso bastante venenoso, e dizer: “peguei você, seu otário!”

Agora que é uma mulher adulta, não estava sentindo um mínimo de prazer em saber dessa “estripulia” do irmão. Muito menos com ele de casamento marcado com uma de suas melhores amigas. Chegou a segurar o telefone celular quando, fazendo o percurso entre a casa dos pais para o apartamento em que moravam, reconheceu o carro vermelho do irmão parado em um canto escuro, e uma movimentação pra lá de suspeita em seu interior. Mas não teve coragem de chamar o número da vítima em questão. Optou por ouvir, saber o que ele poderia ter a dizer, e depois decidir se contaria ou não. Estava amadurecida, ou pelo menos acreditava nisso, e não agiria como quando criança. Foi pensando assim que ela girou a chave e entrou no apartamento, onde encontrou o irmão sentado numa poltrona em frente à televisão, entretido ao observar a programação dos diversos canais. Ele só olhou para ela quando ouviu seu próprio nome, e se assustou com o modo como ela o fitava, os olhos semicerrados, a boca enrijecida. E a irmã, regredindo a sua fase de menina, acabou por deixar escapar um pequeno sorriso, um tanto irônico, ao repetir aquilo que tanto usou para atormentar o menino muitos anos antes: “peguei você, seu otário!”